Revisão da vida toda: entenda o que mudou com a nova decisão do STF e quem vai ser afetado

Tese permitiria que um pequeno grupo de pessoas, segundo especialistas, aumentasse o valor da aposentadoria, por meio de um cálculo diferente, mas isso deve ser barrado com novo entendimento do Supremo

 

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 21 deve acabar com as possibilidades de aposentados do INSS fazerem a chamada “revisão da vida toda”, afirmam especialistas em direito previdenciário ouvidos pelo g1.

 

É que, apesar de a decisão não ter sido especificamente sobre o recurso que discute a revisão, que os ministros ainda vão julgar em outra sessão, o novo entendimento da Corte sobre a lei da previdência de 1999 inviabiliza que a tese seja considerada válida (leia mais abaixo).

 

O QUE É: no geral, a revisão da vida toda permite que um grupo específico de pessoas aumente o valor da aposentadoria, ao pedir que sejam considerados mais anos de contribuição ao INSS para o cálculo do benefício.

 

No entanto, embora o assunto desperte bastante interesse da população, poucas pessoas são, de fato, afetadas pelas decisões acerca do assunto, explica o advogado Washington Barbosa. São três cenários, segundo o especialista:

para as pessoas que entraram com ações judiciais pedindo a revisão da vida toda, ganharam o processo e já estão recebendo os valores atualizados da aposentadoria, nada deve mudar;

quem ingressou com ação judicial, mas teve o processo paralisado depois que o caso virou de repercussão geral no STFprovavelmente vai ter o pedido da revisão negado;

já para quem ainda pretendia entrar com uma ação na Justiça, talvez não valha mais a pena.

 

Por que surgiu a revisão da vida toda?

A tese da revisão da vida toda surgiu após a publicação da lei nº 9.876, em 1999, que mudou a forma como o valor da aposentadoria é calculado no Brasil.

 

Até então, o INSS considerava apenas os três últimos anos de contribuição do trabalhador para fazer a média de quanto ele deveria receber, por mês, ao se aposentar. No entanto, o método tinha muitas fraudes, afirma o advogado Matheus Lataro.

 

“O trabalhador sabia que ele ia se aposentar com os seus três últimos salários, então, nesses anos, ele recolhia mais para a previdência. Fazia acordo com o patrão para conseguir algo mais vantajoso”, explica o especialista, que é da Benedetti Advocacia.

 

Com a lei de 1999, o cálculo da aposentadoria passou a considerar 80% de todas as contribuições de maior porte do trabalhador ao longo da vida.

 

No entanto, criou-se também uma regra de transição: para quem já estava contribuindo com a previdência antes da lei, seriam considerados para o cálculo apenas os pagamentos a partir de 1º de julho de 1994, quando a moeda brasileira passou de Cruzeiro Real para Real.

 

E é aí que entra a tese da revisão da vida toda. Quem fez boas contribuições ao INSS antes da data da transição passou a pedir na Justiça que esses valores também fossem considerados para o cálculo da aposentadoria.

 

Várias pessoas ganharam processos sobre isso desde então, segundo os especialistas, e, em dezembro de 2022, o STF reconheceu o direito dos aposentados de utilizar o mecanismo.

 

O tema teria a chamada repercussão geral, ou seja, o que foi decidido pelo Supremo passaria a ser aplicado em processos semelhantes em todas as instâncias da Justiça no país.

 

No entanto, o INSS entrou com recurso, que ainda deve ser julgado, pedindo alguns esclarecimentos, e os processos que tratam do tema foram suspensos temporariamente.

 

Para quem ela serve?

Na prática, a revisão da vida toda beneficia quem tinha salários maiores antes de 1994, para que esses valores entrem no grupo das 80% maiores contribuições feitas ao longo da vida do trabalhador e, assim, no cálculo da aposentadoria.

 

“E, muitas vezes, a gente ainda via casos de pessoas que tinham salários muito bons antes de 1994, mas por apenas 2 ou 3 anos, e aí isso não impactava na média das contribuições, no resultado do cálculo da revisão da vida toda”, pontua a advogada Janaína Braga, do Ecossistema Declatra.

 

Importante destacar que, em 2019, a reforma da previdência mudou a regra novamente: o cálculo da aposentadoria passou a ser feito com uma média de 100% das contribuições do trabalhador a partir de 1994. Não se fala em vida toda.

 

Assim, além dos demais critérios, a revisão se aplica somente às pessoas que se aposentaram ou adquiriram o direito de se aposentar até a data da reforma: 13 de novembro de 2019.

 

E o direito também não pode ter completado dez anos, destaca o advogado Washington Barbosa. Por exemplo: se uma pessoa se aposentou há 15 anos, mas somente agora viu que seria vantajoso pedir a revisão da vida toda, já não pode mais entrar com processo.

 

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Entenda a nova decisão do STF

No último dia 21, o STF julgou duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionavam a lei da previdência de 1999. Por maioria, os ministros decidiram que a regra de transição prevista por ela é de aplicação obrigatória.

 

Ou seja, para quem já estava contribuindo com a previdência antes da lei, são considerados válidos para o cálculo da aposentadoria apenas os pagamentos a partir do Plano Real, e não é possível que o segurado escolha uma forma de cálculo que lhe seja mais benéfica.

 

Assim, como a tese da revisão da vida toda contraria justamente a regra de transição que se tornou obrigatória conforme o novo entendimento do STF, os ministros não terão como validá-la no julgamento que ainda está por vir, explicam os especialistas.

 

“E, se o Supremo disser que não [é válida a revisão da vida toda], que é o que vai acontecer, ninguém embaixo vai poder dizer que sim. É uma decisão de repercussão geral. Então, todo mundo que está com processo aberto vai perder, e vai ser bobagem ajuizar qualquer pedido novo”, diz o advogado Washington Barbosa.

 

Para o especialista Matheus Lataro, julgar essas ações antes do recurso extraordinário sobre a revisão da vida toda foi uma manobra de alguns ministros para barrar a tese.

 

Ele acredita que o STF não conseguiria formar maioria para invalidar a revisão da vida toda no julgamento do recurso extraordinário, por causa dos votos a favor que já estavam valendo de ministros aposentados. Por isso, pautou o julgamento das ADIs, nas quais nenhum ministro aposentado havia votado, contando somente com os votos da Corte atual.

 

“A demora do julgamento dessas ações não é uma coisa rara de se ver. Isso até que acontece. O que a gente questiona é essa extrema coincidência de os julgamentos baterem na mesma época, e essas ações acabaram influenciando na revisão da vida toda”, afirma.

 

IMPACTO FINANCEIRO – A justificativa por trás da manobra, segundo os especialistas, foi uma questão econômica: segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, uma decisão favorável à revisão da vida toda levaria a um impacto de R$ 480 bilhões nas contas públicas.

 

Seria uma “verdadeira bomba fiscal”, segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, “que desestruturaria as contas públicas e produziria um efeito enorme sobre a dívida pública”.

 

Esse valor, no entanto, tem sido questionado por especialistas em direito previdenciário.

“O governo fala em um cálculo de R$ 480 bilhões, mas institutos de previdência dizem que o número não chegaria a R$ 1,5 bilhão, o que é mais próprio porque a quantidade de pessoas beneficiadas não é tão grande assim”, afirma o advogado Washington Barbosa.

 

Para Felipe Salto, a conta do governo é razoável, feita a partir de “informações do INSS sobre as aposentadorias que seriam recalculadas conforme a regra mais benéfica, além dos processos em curso na Justiça e que foram interrompidos após o questionamento do governo no STF”.

 

www.valenoticiapb.com.br – Por Júlia Nunes, g1

 

 

 



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