Mata Atlântica vive novas ameaças com brechas em lei e desmate em alta

Especialistas alertam que bioma está no ‘sinal amarelo’, mas defendem que iniciativas de restauração são possíveis e serão decisivas nesta década. Projetos são esperança de recuperação

 

A Mata Atlântica, bioma que mais perdeu área florestal no país até hoje, vive novas ameaças com brechas em lei aprovadas nesta semana pelo Congresso e o desmatamento em alta.

 

Apesar do cenário hostil, ambientalistas têm esperança diante de metas ambiciosas de reflorestamento e dos projetos voltados para a conservação, mas ressaltam que a missão não será fácil.

 

“Estamos no sinal amarelo porque é uma década decisiva para a restauração”. — Mariana Oliveira, gerente do Programa de Florestas no WRI Brasil

 

1 – Como era a Mata Atlântica?

 

Origem: Segundo uma das teorias mais discutidas pela comunidade científica, até cerca de 30 mil anos atrás, a Mata Atlântica e a Amazônia formavam uma vasta floresta verde.

Florestas irmãs: No entanto, durante a última Era do Gelo, houve a separação dessas florestas. Apesar disso, as duas são consideradas “florestas irmãs” e chegam a compartilhar espécies em comum.

 

Impacto da colonização: Com a chegada dos colonizadores europeus, a situação da Mata Atlântica se transformou drasticamente. Dos cerca de 1,4 milhão km² apenas no Brasil, restam 24% de cobertura florestal.

 

Área preservada: Desse percentual, somente 12,4% correspondem a florestas maduras e bem conservadas – cerca de 16,3 milhões de hectares, segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

 

Comparação com a Amazônia: Apesar das crescentes ameaças nos últimos anos, a Amazônia tem atualmente cerca de 78% de floresta preservada.

 

2 – E qual a situação atual da Mata Atlântica?

 

Tamanho: É uma das maiores florestas tropicais do planeta. Abrange 15% do território nacional, está presente em 17 estados e abriga 72% da população brasileira.

 

Desmatamento: Levantamento recente da SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que, em um período de um ano, entre outubro de 2021 e de 2022, mais de 20 mil hectares foram desmatados no país.

 

Um Parque Ibirapuera a cada três dias: A título de comparação, toda essa derrubada representa a perda de um Parque Ibirapuera (localizado em São Paulo) a cada três dias.

 

Taxa anual de desmatamento na Mata Atlântica (ha)

 

Área desmatada é a segunda maior dos últimos 6 anos.

Total Desmatado

 

Registro preocupante: Isso representa uma diminuição de 7% em comparação ao mesmo período anterior (2020-2021). Apesar disso, os dados são alarmantes – foi a segunda maior taxa dos últimos 6 anos.

 

Comparado com o desmatamento da Amazônia, é um número baixo, mas, para a Mata Atlântica, é alto. Cada hectare faz muita falta porque temos um processo cumulativo histórico. Estamos perdendo 20 mil hectares agora, mas temos cinco séculos para trás de desmatamento.

 

3 – Por que essas taxas preocupam?

 

A conservação das florestas é vital para a saúde humana e do planeta. Especialistas alertam que, quando o percentual de matas maduras e bem conservadas fica abaixo de 20%, as espécies que habitam esse bioma correm bastante risco.

 

Por isso, não é de se espantar que a Mata Atlântica concentre 24% das espécies da fauna e flora do Brasil que estão ameaçadas de extinção.

 

Além disso, a fragmentação do bioma é um processo que pode acarretar problemas como escassez de água nas cidades, assoreamento de rios e deterioração da qualidade do ar.

 

É importante lembrar que boa parte da população brasileira ocupa áreas de Mata Atlântica.

 

A maior parte do bioma está em Minas Gerais, que tem 17% (cerca de 2,8 milhões de hectares). Em seguida vêm São Paulo e Paraná (com cerca de 2,3 milhões cada), Santa Catarina (2,2 milhões), Bahia (2 milhões) e Rio Grande do Sul, com 1 milhão de hectares.

 

Outros 11 estados têm Mata Atlântica em sua área: Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.

 

“Quando a gente corta a Mata Atlântica, a gente está cortando a água, está cortando a energia elétrica, está comprometendo a comida e o dia a dia das pessoas”, complementa Luís Fernando.

 

4 – Quais são as principais iniciativas de restauração?

 

Diversos especialistas argumentam que simplesmente frear o desmatamento não é uma solução abrangente para combater os riscos iminentes e futuros das mudanças climáticas e da escassez de água. Por isso, uma das saídas apontadas é a restauração de florestas.

 

No caso da Mata Atlântica, centenas de instituições têm trabalhado e se envolvido em iniciativas e projetos do tipo. Um dos principais deles é o Pacto Trinacional da Mata Atlântica, escolhido entre os 10 projetos de referência de conservação no mundo pela ONU para a década de 2030.

 

O movimento foi estabelecido em abril de 2009 e tem como missão articular ações de diversos atores interessados na restauração do bioma, entre instituições públicas, privadas, governos e a comunidade científica.

 

O projeto é liderado pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e pela Rede Trinacional de Restauração da Mata Atlântica, que conta com organizações da Argentina, Brasil e Paraguai.

 

As metas são ambiciosas: recuperar 1 milhão de hectares até 2030 e restaurar no total 15 milhões até 2050. E, desde então, cerca de 700 mil hectares já foram restaurados.

 

“São metas ambiciosas, mas possíveis”, afirma Taruhim Quadros, representante da Rede Trinacional de Restauração da Mata Atlântica.

 

“A restauração é a luz do fim do túnel para Mata Atlântica”, diz a pesquisadora.

 

“Agora a gente precisa que os governos estejam ajudando fortemente, incentivando políticas públicas a favor da restauração e que vão favorecer essas inciativas em uma grande escala”, acrescenta.

 

E as iniciativas já existem, explica Mariana Oliveira é Gerente do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura no WRI Brasil. Ela cita a própria Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, o Código Florestal e o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que tem como objetivo promover políticas públicas de recuperação de florestas.

 

“Se fizermos o dever de casa, não precisamos inventar nada novo”, diz a especialista, que também é representante do WRI Brasil no projeto.

 

Para o diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, houve algum avanço.

 

“Já avançamos, mostramos qual é o nosso potencial e que temos ciência, dados, políticas públicas e governança. Se juntarmos tudo isso, teremos um potencial muito promissor e uma referência ainda maior para o mundo”, complementa.

 

5 – E o que está em jogo para a Mata Atlântica agora?

 

Nesta semana, a Câmara dos Deputados ignorou mudanças feitas pelo Senado e retomou trechos de uma medida provisória que enfraquece regras de proteção da Mata Atlântica.

 

Segundo ambientalistas, na prática, os dispositivos facilitam o desmatamento do bioma.

 

O texto segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.

 

Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

 

Ao passar na Câmara pela primeira vez, no entanto, os deputados incluíram mudanças na Lei da Mata Atlântica, como:

O fim da exigência de compensação em caso de desmatamento fora das áreas de preservação permanente para a construção de empreendimentos lineares, como linhas de transmissão, e, na avaliação de especialistas, até de condomínios e resorts.

 

flexibilização do desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração.

 

Fim da necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, passando a atribuição para órgão ambiental municipal.

 

Fim da obrigatoriedade do estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos.

 

Quando o texto seguiu para o Senado, os senadores retiraram esses pontos, mas ao ser analisado em segunda votação na Câmara, os deputados os devolveram para o projeto.

 

Para a Fundação SOS Mata Atlântica, a MP, do jeito que ficou, coloca a floresta ainda mais em risco ao permitir o desmatamento de florestas até então intactas na Mata Atlântica.

 

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www.valenoticiapb.com.br – Por Roberto Peixoto, g1

 

 

 



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