Sem imprensa, não há liberdade de imprensa

Revitalizar a imprensa e fortalecê-la para fazer frente ao caos informativo é um imperativo das sociedades civilizadas

 

Todos somos a favor da liberdade de imprensa, certo? Essa é uma rara unanimidade entre os defensores da democracia, porque uma imprensa livre é pilar fundamental do Estado de Direito. Mas a liberdade de imprensa não existe sem a imprensa. Portanto, a defesa de uma atividade jornalística robusta, economicamente saudável, capaz de resistir a pressões e contrariar interesses políticos e econômicos em nome do bem público deveria ser um catalisador de todas as forças da sociedade.

 

Infelizmente, apesar de avanços pontuais, não foi sempre o que se viu no Brasil em 2025 — em particular em regiões mais remotas, onde jornalistas e veículos ainda sofrem ameaças e retaliações por exercerem sua função com independência. O ano também marcou o ápice de um período desafiador e complexo para o jornalismo, com recuos preocupantes na liberdade de expressão no planeta e impactos da rápida ascensão da inteligência artificial (IA).

 

As notícias globais não são alentadoras. Dados da Repórteres Sem Fronteiras indicam que, neste ano, ao menos 67 jornalistas foram mortos no exercício da profissão. No mesmo período, 503 profissionais permaneceram presos em 47 países em razão direta de seu trabalho. Esses números revelam um ambiente hostil, e o Brasil não está imune a esse contexto, ainda que o cenário geral tenha apresentado melhorias.

 

Ao longo do ano, registrou-se a persistência de ataques a jornalistas e o crescimento do assédio judicial. Monitoramento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) indica o aumento do uso de ações judiciais como forma de intimidação, com o registro de 130 novos casos. Também foram observadas tentativas de censura, agressões físicas e campanhas de deslegitimação contra profissionais, em particular as mulheres jornalistas, que seguem entre as principais vítimas de ataques nas redes digitais, onde enfrentam violência verbal e difamação.

 

Por sua natureza crítica e pelo jornalismo vigilante, a imprensa sofre retaliações, mas, sem ela, estaríamos à beira de um apocalipse informativo. Tome-se como exemplo este ano, quando se popularizou o uso da IA para a criação de imagens e vídeos artificiais. A tecnologia avançou tanto que mesmo olhares treinados não são mais capazes de distinguir o que é realidade.

 

É no jornalismo profissional que encontraremos a solução. Se não pudermos mais identificar o que é embuste, estaremos à mercê de manipuladores que aplicarão golpes e enganarão o público com fins políticos, sem qualquer pudor. Sem a barreira da imprensa, marcharemos para um estado de barbárie no qual versões artificiais produzirão indignações fabricadas.

 

Como saber, de agora em diante, o que é verdade ou empulhação? Não é simples, mas, se uma informação não tiver sido atestada por uma fonte confiável e institucional, como a imprensa, é bem possível que seja pura enganação.

 

Por tudo isso, revitalizar a imprensa e fortalecê-la para fazer frente ao caos informativo é um imperativo das sociedades civilizadas, antes que a insanidade nos arraste para o fundo do pântano das fake news forjadas por IA. Paradoxalmente, a inteligência artificial deveria abrir uma era dourada para que a imprensa exercesse seu papel crucial de certificação da realidade, mas ocorre o contrário.

 

Modelos de IA foram alimentados com arquivos e ainda se apropriam de conteúdos protegidos por direitos autorais. Essa é uma questão moral e legal decisiva para o nosso futuro coletivo.

 

Precisamos de convergência sobre os fatos antes que mergulhemos na barbárie. Para isso, é necessário que os conteúdos jornalísticos, penosa e meticulosamente produzidos, sejam reconhecidos e devidamente remunerados pelos gigantes da tecnologia. No debate sobre remuneração pelo uso de conteúdo — grande parte protegida por paywall — acordos com valores justos seguem como a forma mais adequada de assegurar o direito autoral.

 

É nesse quadro que o país ingressa em 2026, ano de eleições gerais. Mais do que nunca, caberá aos jornalistas e veículos identificar e relatar os fatos com precisão para que os eleitores tomem decisões livres e informadas. Fortalecer o jornalismo não é uma pauta setorial, mas uma escolha em favor da democracia e do direito à informação.

 

www.valenoticiapb.com.br – Com Correio Braziliense, Marcelo Rech — presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Imagem: dj imprensa – (crédito: Kleber Sales)

 

 

 



Publicidades